quinta-feira, 29 de julho de 2010

O mais potente dos afetos: Spinoza e Nietzsche( pág 108,109 André Martins org.)

" Para Nietzsche, nessa condição fixada pelo tempo encontra-se a raiz de uma profunda e atormentadadora indisposição, de uma repugnância, má vontade do homem voltada contra o tempo, especialmente contra o passar do tempo, contra o "foi". Sem dúvida, ao tempo não pertence somente o passado, mas também o futuro e o presente. Mas quando Nietzsche considera o tempo, ele o faz numa perspectiva especial, ele não o apreende como um pacote em que o passado, o presente e o futuro estejam embalados. O tempo é apreendido sobretudo na perspectiva da passagem, o tempo vai, escoa, passa, anda, corre. Esse decurso é também um vir ( futuro), que , porém, advém para passar, pois o temporal é transcurso, é passageiro, o impermanente.
Não é o tempo, nele próprio, que revela a impotência e a derrisão da vontade- mas aquilo que no tempo é passagem, escoamento, a dimensão irreversível do "foi". Assim se chama o ranger de antes e a mais solitária tribulação da vontade.impotente contra o que está feito -a vontade é um mau espectador para todo passado. a vontade não pode querer para trás: que não possa quebrantar o tempo nem a voracidade do tempo - essa é a mais solitária tribulação da vontade... ' o que foi, foi' - assim se chama a pedra que (a vontade) não pode remover. E assim ela remove por raiva e por mau humor, e vinga-se naquilo que não sente, do mesmo modo que ela, raiva e mau humor.
Ressentimento, vingança, eis a essência da repugnância da vontade contra o tempo, eis também a essência da mais radical figura da fraqueza e da impotência, a impossibilidade para a vontade de fazer face não meramente a uma dimensão do tempo, a um período do tempo ao lado dos outros dois, mas sim de confrontar aquilo que no tempo confere, dispensa e lega o que é o passado, congelado-o numa "era" inamovível. O tempo doa apenas o que ele tem, e ele tem o que ele é, isto é, decurso e passagem.
a vontade, esse libertador impotente, vinga-se, pois, sob a forma da mais profunda, porque metafísica, aversão contra aquilo que sobre ela prevalece, contra o que ela nada pode, ou seja, aquele elemento inamovível e definitivo, ao qual se torna, a cada vingança, mais e mais acorrentada. ' desse modo, a vontade, o libertador, converte-se em algo que causa dor: e sobre tudo o que pode sofrer, vingar-se de não poder querer para trás. isso, e só isso, é a própria vingança: a aversão da vontade contra o tempo e seu 'foi'. o espírito de vingança: meus amigos, sobre isso é sobre o que melhor refletiram os homens até agora; e onde havia sofrimento, aí devia haver sempre castigo. o eterno no castigo chamado existência consiste nisso: em que também a existência tem de tornar a ser eternamente ação e culpa.

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